Manipular o DNA e seus dilemas éticos
Geneticistas condenam cientista que editou genes em embriões
Pesquisa é “irresponsável e preocupante”, afirmam
especialistas reunidos em congresso internacional sobre o tema
Por Radio France Internationale
Os organizadores do Congresso Internacional de Edição de
Genomas Humanos (Gene
Edit Summit) condenaram
nesta quinta-feira 29 a pesquisa do geneticista chinês
He Jiankui, que anunciou durante o evento ter modificado os genes dos embriões de gêmeas para torná-las resistentes ao HIV, o vírus da AIDS.
O professor da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul
da China, em Shenzhen, cidade que faz fronteira com Hong Kong, alega ter
eliminado um gene chamado CCR5 que impediria as meninas gêmeas de serem
contaminadas pelo HIV em caso de contato com o vírus. A modificação foi feita
antes dos embriões serem implantados no útero da mãe.
De acordo com os organizadores do congresso, a pesquisa é
“irresponsável e preocupante”. Ainda segundo o texto do comunicado, mesmo se as
modificações genéticas forem confirmadas, o procedimento desrespeita as regras
internacionais.
Os organizadores pedem uma avaliação independente da
pesquisa realizada por Jiankui, que afirmou na terça-feira 27 ter usado a
tecnologia Crisp-Cas9 para modificar os embriões. A técnica, que permite
“editar” a sequência do DNA e abre caminho para a cura de doenças pela terapia
gênica, suscita interrogações sobre a ética e a segurança envolvidas.
A comunidade científica chinesa também condenou a pesquisa.
A Universidade de Ciência e Tecnologia do sul da China, onde He Jiankui é
professor, anunciou a abertura de uma investigação. Atualmente, Jiankui está de
licença. A comissão sanitária da província de Guangdong, onde fica a
universidade, informou a abertura de uma investigação nas instalações da
universidade.
As revelações do jovem geneticista chinês He Jiankui na
véspera da abertura do Congresso Internacional de Edição de Genomas Humanos (Gene Edit Summit), em Hong Kong, transformaram
o evento acadêmico em uma grande coletiva de
imprensa sobre o caso.
As declarações pegaram a comunidade acadêmica de surpresa,
pois os resultados da pesquisa ainda não foram publicados. O que seria o roteiro
tradicional para tornar público grandes desenvolvimentos científicos. Por
enquanto, os dados não foram verificados de forma independente. Mesmo assim,
ninguém parece duvidar que o experimento seja tecnicamente viável. Faltava
apenas romper barreiras morais.
Nem os organizadores do congresso sabiam dessa pesquisa com
embriões humanos. O professor deveria apresentar outro trabalho no evento, mas
diante da reação internacional teve que dar explicações sobre o estudo feito
praticamente em segredo.
Para muitos cientistas, He Jiankui foi longe demais. A
alteração genética em laboratório de embriões humanos saudáveis, que depois
foram implantados no útero de uma paciente, gerou uma onda de condenações e
abriu o debate sobre a ética e a legalidade desse procedimento.
A tecnologia Crispr permite que cientistas modifiquem o DNA
de um organismo, "recortando e colando” partes do material genético em
pontos específicos do genoma. Experimentos vinham sendo feitos com animais,
como ratos e macacos.
Técnica ainda gera questionamentos éticos
A possibilidade de edição genética é uma esperança para
impedir doenças, mas é motivo de grande apreensão e incerteza sobre limites e
consequências. Há muitas perguntas sem respostas. Os riscos são difíceis de
prever. O DNA alterado pode provocar outras modificações no próprio organismo
ou no de seus descendentes.
O congresso da Universidade de Hong Kong foi invadido por
dezenas de jornalistas. He não respondeu as perguntas da mídia, mas foi
sabatinado por seus colegas.
Os questionamentos foram muitos. O cientista foi criticado
pela falta de transparência do projeto que começou há três anos e chamado de
irresponsável. Alguns acusaram a falta de autorregulação da comunidade
científica de ter criado o ambiente para que isso acontecesse. Outros acreditam
que o mundo está pronto para o uso clínico responsável da técnica.
A China foi apontada como o terreno fértil para experimentos
desse tipo, graças ao grande volume de investimento em pesquisa científica, ao
capital humano disponível - profissionais com alta formação – somados a uma
regulação opaca e a inexistência de lobby religioso, que em outros países
condena qualquer pesquisa com embriões.
Robin-Lovell-Badge, geneticista do Francis Crick Institute,
disse aos jornalistas presentes que não há nada que sugira que o colega chinês
não fez o que diz, mas que He falhou em não tomar todas as precauções e se
assegurar que o procedimento era legal. "Ele não considerou a abordagem
mais consciente e cuidadosa”, acrescentou.
Texto e imagem reproduzidos do site: cartacapital.com.br
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