Astrofísico compara a resistência que Galileu
enfrentou no século 17 ao negacionismo existente hoje
Direito de imagem - Coyle Jr.
Publicado originalmente no site BBC, em 30 de maio de 2020
Desde o tempo de Galileu, negação da ciência passou do campo
religioso para o político, diz astrofísico
Por Leonardo Neiva
De São Paulo para a BBC News Brasil
No dia 22 de junho de 1633, o astrônomo Galileu Galilei,
considerado por muitos o criador do método científico, recebia sua sentença
frente a um tribunal da Inquisição. Pela acusação de defender o modelo de
Copérnico, em que a Terra girava em torno do Sol, Galileu foi considerado um
herético, forçado a repudiar as ideias heliocêntricas e sentenciado a prisão
domiciliar, além de ter sua obra Diálogo incluída no Índice de Livros Proibidos
do Vaticano.
Pouco menos de 400 anos após esses acontecimentos, uma
pesquisa do Instituto Datafolha realizada em julho de 2019 apontou que 7% dos
brasileiros acreditam que a Terra seja plana. O número representa um movimento
que ganhou impulso nos últimos anos, o dos chamados terraplanistas, que
questionam o formato esférico do planeta, noção que já era consenso inclusive
na época de Galileu.
Foi com o intuito de analisar o ressurgimento de movimentos
de negação a resultados científicos como esse que o astrofísico romeno Mario
Livio lançou no início de maio o livro Galileo and the Science Deniers (Galileu
e os negacionistas da ciência, editora Simon & Schuster, a ser lançado em
português pela editora Record), no qual faz uma nova leitura da vida e
descobertas de Galileu e compara a resistência que enfrentou na época ao negacionismo
existente hoje.
Uma das principais diferenças, segundo ele, é que a oposição
à ciência deixou de ter cunho prioritariamente religioso.
"Quando falamos sobre a negação das mudanças climáticas
hoje ou olhamos para algumas das respostas iniciais à pandemia do Covid-19,
fica claro que essas ações são motivadas em grande parte por conservadorismo
político", afirma o autor à BBC News Brasil.
Livio é astrofísico, escritor e palestrante, membro da
Associação Americana de Avanço da Ciência, e vive na cidade de Baltimore (EUA).
Ele atuou por 24 anos como astrofísico no Instituto de Ciência do Telescópio
Espacial, centro instituído pela Nasa para operar o telescópio Hubble. Também é
autor de livros como Por quê? O que nos torna curiosos (Editora Record, 2018) e
A equação que ninguém conseguia resolver (Editora Record, 2008).
Confira os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - Por que é importante neste momento
lançarmos um novo olhar sobre a vida de Galileu?
Mario Livio - Em primeiro lugar, é sempre bom analisar a
vida de Galileu porque ele era uma pessoa fascinante. Ele foi um dos maiores
defensores da liberdade intelectual, uma luta que é sempre relevante. Mas, na
verdade, claro que o mais importante de olharmos para esse período em
particular é que hoje ainda vemos muito negacionismo em relação à ciência no
mundo.
Acredito que isso também seja verdade para o Brasil, pelo
pouco que sei sobre a situação política que vocês estão atravessando.
A luta de Galileu foi contra a negação da ciência. Portanto,
é importante entender, antes de tudo, que esse não é um fenômeno recente e
analisar as semelhanças e diferenças entre a negação da ciência que existia no
tempo de Galileu e a que existe no nosso tempo atual.
BBC News Brasil - O que podemos aprender sobre a luta de
Galileu que pode ser aplicado à nossa realidade?
Livio - As motivações para se rejeitar as descobertas da
ciência no tempo de Galileu e hoje são diferentes. No tempo de Galileu, o
principal problema costuma ser descrito como um enfrentamento entre ciência e
religião. Isso não é verdade, e ele mesmo nunca enxergou o conflito dessa
forma.
Galileu era uma pessoa religiosa. O conflito que ocorria na
realidade era entre a ciência e as interpretações literais da Bíblia feitas
pela Igreja Católica. Era contra isso que ele lutava. O argumento de Galileu
era de que a Bíblia não tinha sido escrita como um livro científico, e sim
buscando a nossa salvação. Consequentemente, foi escrita em uma linguagem que
possa ser compreendida por pessoas comuns.
Ele apontava que mesmo os planetas não eram nomeados na
Bíblia e que a maior parte do conteúdo do livro era dito em metáforas, não
deveria ser considerada de forma literal. Ele insistia que a Bíblia não
continha erros. O erro era nosso de interpretar de maneira literal.
Quando olhamos para os negacionistas da ciência hoje, vemos
que as motivações são diferentes. Quero dizer, existem casos que são parecidos.
Por exemplo, há nos Estados Unidos pessoas que insistem em ensinar o
criacionismo na escola junto com a teoria da evolução de Darwin. Essas pessoas
também são motivadas pela religião.
Porém, quando falamos sobre a negação das mudanças
climáticas hoje ou olhamos para algumas das respostas iniciais à pandemia do
covid-19, fica claro que essas ações são motivadas em grande parte por
conservadorismo político. Estamos em um ano de eleição presidencial nos EUA e
existe uma vontade de se satisfazer os apoiadores.
Então as motivações são diferentes, mas o efeito é o mesmo,
porque significa que a ciência está sendo posta de lado e os conselhos gerados
com base científica não estão sendo levados a sério.
BBC News Brasil - Em 1992, o papa João Paulo 2o finalmente
reconheceu que a Igreja Católica errou ao condenar Galileu. Mesmo com um certo
atraso, e considerando essas diferenças que o senhor acaba de apontar, isso
indica que a religião está deixando de ser a principal força antagonista da
ciência e esse papel está passando hoje definitivamente para o campo da
política?
Livio - Sim, você está absolutamente certo. Recentemente, o
papa Francisco declarou que nem o Big Bang nem a teoria da evolução de Darwin
estão em conflito com a fé. Então acho que a Igreja Católica é muito menos
negacionista hoje do que era antigamente.
Mesmo aquelas pessoas que, por causa da religião, querem
ensinar o criacionismo nas aulas de ciência vão contra as declarações do
próprio papa. A motivação religiosa do lado da Igreja é muito menos pronunciada
hoje, e é muito mais por causa do conservadorismo político que vemos esse
negacionismo.
BBC News Brasil - Por que é importante para líderes
populistas como Trump e Bolsonaro confrontar a ciência e disseminar a
desinformação dessa maneira?
Livio - Olha, eu gostaria muito de saber a resposta para
essa pergunta. Trump quer ser reeleito e claramente tenta agradar sua base
eleitoral. Imagino que ele acredite fortemente que seus seguidores compartilham
visões semelhantes a essas. Ele também tem levado em consideração questões
financeiras e de negócios acima de qualquer tipo de dilema moral ou mesmo, até
certo ponto, da preservação de vidas humanas.
Eu não estou totalmente familiarizado com a evolução da
covid-19 no Brasil, mas sei que vocês estão enfrentando graves problemas. Nos
EUA, a resposta inicial do governo foi dizer: 'Ah, estamos só com 15 casos
agora e logo isso cairá zero. Não precisamos mudar muita coisa, estamos fazendo
um bom trabalho'.
Claro que esse pensamento era completamente falso. Sabemos
agora, de acordo com modelos matemáticos sérios, que se a resposta inicial
tivesse sido mais rápida e clara, muitas vidas teriam sido salvas.
Neste momento, já tivemos no país uma resposta mais robusta
para a pandemia, mas agora corremos o risco de uma reabertura apressada da
economia. Não acredito que isso seja somente motivado pela necessidade de
ajudar os trabalhadores americanos. Enquanto as pessoas não estiverem seguras o
suficiente para retomar suas atividades, não importa muito se os negócios
estarão abertos ou não. A população precisa se sentir segura para que isso dê
certo.
O governo americano emitiu regras segundo as quais os
negócios devem reabrir, mas ele não seguiu as próprias diretrizes. Quase 20
Estados começaram a reabrir num momento em que o número de casos estava
crescendo constantemente ao longo de duas semanas inteiras.
Então a reeleição e os interesses das grandes corporações
parecem ser mais importantes para essa administração do que seguir os conselhos
ditados pela ciência, e acredito que algo parecido esteja acontecendo no Brasil
neste momento.
BBC News Brasil - O negacionismo é maior hoje em dia do que
era algumas décadas atrás?
Livio - Não acredito que esse número tenha aumentado. Uma
pesquisa recente do Instituto Gallup mostrou que pouco mais de 30% dos
americanos acreditam que os seres humanos foram criados há menos de dez mil
anos. Esse dado ainda é incrivelmente alarmante, mas, por outro lado, essa
porcentagem está em seu nível mais baixo da história. Então, não temos mais
pessoas acreditando nisso do que antes e não acredito que existam mais
negacionistas hoje do que em gerações anteriores.
O que acontece, porém, é que os negacionistas atualmente têm
muito mais visibilidade. Estão, por exemplo, dentro do governo americano em um
número muito maior do que em administrações anteriores. Espero que isso seja
apenas uma moda passageira. Quero dizer, que isso seja menos uma ideologia de
fato do que uma posição tomada puramente por conveniência política.
BBC News Brasil - Por se tratar de questões de saúde, esse
negacionismo hoje acaba tendo um impacto muito mais forte do que na época de
Galileu?
Livio - No tempo de Galileu, um dos principais conflitos
entre ciência e religião envolvia o sistema de Copérnico, que dizia que todos
os planetas, incluindo a Terra, giravam em torno do Sol, em oposição ao de
Aristóteles, um sistema em que tudo girava em torno da Terra. A Terra como
centro parecia melhor para a ortodoxia católica porque o ser humano estaria no
centro da criação divina, numa visão antropocêntrica do universo.
Eu não sou epidemiologista nem médico. Sou astrofísico,
então não finjo entender bem a ciência de uma pandemia. Mas, como cientista,
sei analisar números. Acredito muito nos números.
Compare o caso dos EUA com o da Coreia do Sul, por exemplo.
Olhei os números dos dois países até o dia 14 de maio. A Coreia do Sul tem uma
população de 52 milhões de pessoas. Lá, eles tinham uma média de cinco mortes
por milhão de habitantes até essa data. Nos EUA, que têm uma população de 322
milhões, a média nessa mesma data era de 264 por milhão.
Por que isso? O que os epidemiologistas me dizem é que desde
o começo da pandemia na Coreia houve uma insistência para a criação de medidas
de controle de contato físico e de isolamento de casos comprovados da doença,
com rastreamento dos infectados. Por isso eles conseguiram controlar. Os EUA
não fizeram praticamente nada até o início de março, então muito tempo foi
perdido.
Isso é muito perturbador. No tempo de Galileu, claro que
houve grandes consequências pessoais para ele devido aos que negavam suas
descobertas. Ele ficou em prisão domiciliar durante oito anos e meio e seus
livros foram proibidos. Hoje, no entanto, estamos falando de muitas vidas
humanas.
É inacreditável que existam pessoas que arrisquem a vida de
seus filhos por rejeitarem a aplicação de vacinas. Mesmo considerando a questão
das mudanças climáticas, é uma coisa que afeta o futuro da vida na Terra. A
vida não vai ser extinta por isso, mas um país como Bangladesh ou mesmo o
estado da Flórida podem ficar debaixo d'água.
Nunca foi uma boa ideia apostar contra a ciência. Mas quando
vidas humanas e o próprio futuro do planeta estão em jogo, essa aposta fica
ainda mais injusta. Essa é uma lição importante que podemos aprender com o caso
de Galileu.
BBC News Brasil - Galileu era uma figura complexa. Ele não
era apenas versado em ciências, mas também se interessava por artes e era
bastante religioso. Para alguns historiadores, a defesa de suas descobertas
científicas era inclusive uma tentiva de ajudar a Igreja, impedindo que cometessem
um erro ao interpretar a Bíblia de forma literal. Quanto de verdade há nisso?
Livio - Acredito que isso seja verdade. No livro Galileo and
the Science Deniers, aponto que Galileu era uma pessoa complexa. Nem sempre era
a pessoa mais agradável. Era muito solidário com os membros de sua própria
família, mas podia ser bem cruel com os que discordassem dele.
Ele era um homem do Renascimento. Tinha grande interesse por
música e era um ótimo tocador de alaúde. Sabia de cor passagens inteiras da
obra de Dante, Ariosto e Tasso, e escreveu um ensaio sobre a poesia italiana.
Também tinha muitos amigos pintores, como Artemisia Gentileschi.
Não podemos ser ingênuos, Galileu lutou primariamente por
aquilo em que acreditava. Ele era muito honesto e acreditava estar o tempo todo
certo, e que os outros estavam errados. Mas é verdade também que, ao assumir
essa luta, ele pensou estar impedindo a Igreja de cometer um erro grave.
Ele tinha medo de que, se as pessoas interpretassem
literamente a Bíblia, acreditariam, por exemplo, que o Sol em determinado
momento parou sobre a cidade de Gibeão, como diz o livro de Josué. Como depois
seria provado que é a Terra que gira em torno do Sol, as pessoas passariam a
crer que havia erros na Bíblia. Galileu queria impedir que isso ocorresse
apontando que a Bíblia não deveria ser lida de forma literal. Numa frase que
ficou famosa, ele também disse não acreditar que o mesmo Deus que nos deu os
sentidos, inteligência e raciocínio fosse nos proibir de usá-los.
BBC News Brasil - Em um dos últimos capítulos do livro, o
senhor faz uma comparação entre as visões de Galileu e Einstein sobre religião.
Pode falar sobre isso?
Livio - As posições de Galileu e Einstein sobre religião
eram bastante diferentes. Galileu era religioso, mas sabia que a Bíblia não era
um livro científico. Para ele, a religião tinha mais a ver com comportamento
moral e ético.
Einstein, por outro lado, acreditava no Deus de Spinoza. Ele
se admirava com a existência do Universo e das leis que o regiam. Essa era a sua
religiosidade. Ele não acreditava em um Deus que interferia nos acontecimentos
mundanos e recompensava ou castigava de acordo com o comportamento humano.
Então, de certa forma, eles enxergavam a religião de formas opostas.
BBC News Brasil - No livro, o senhor menciona a importância
da invenção da imprensa para a disseminação de descobertas científicas e, em
determinado ponto, a compara à criação das mídias sociais. É irônico que hoje
elas sejam usadas para informação e também para desinformação por meio de fake
news?
Livio - Na realidade, não é muito diferente do que aconteceu
com a invenção da imprensa. Se é verdade que a imprensa ajudou a difundir
livros de ciência, literatura e poesia, mesmo naquela época as pessoas já
imprimiam muitas obras que promoviam a desinformação. Claro que não tinham um
alcance tão grande quanto a internet hoje, mas a semelhança existia.
A diferença é que, como a internet é tão acessível para todo
mundo, essas teorias da conspiração acabam alimentando muito mais os negacionistas.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com histórias como a de que o coronavírus foi
fabricado em um laboratório na China. Uma vez que a história foi divulgada,
muitos começaram a repeti-la. O problema é que muito poucos acompanham quando a
verdade sobre aquilo é revelada.
O mesmo aconteceu no caso das vacinas. Espalhou-se em certo
ponto uma pesquisa científica errada que transmitia a ideia de que certas
vacinas podiam causar autismo. Mais tarde, houve a admissão desse erro. Mas,
como isso só aconteceu muito tempo depois, ainda há muitas pessoas que
acreditam nisso até hoje.
É lamentável, mas não sei exatamente o que se pode fazer. As
redes sociais criaram mecanismos para excluir conteúdo de ódio, mas é
virtualmente impossível apagar tudo.
BBC News Brasil - Mesmo no tempo de Galileu, já era
estabelecida a noção de que a Terra é redonda. No momento, temos um grupo de
pessoas que acreditam que ela seja plana, os chamados terraplanistas. Isso
representa um passo para trás?
Livio - Isso é algo quase inacreditável. Temos imagens da
Terra vista do espaço. Do topo do monte Everest, é possível inclusive enxergar
a curvatura da Terra. Então esse é um fenômeno que eu nem sei exatamente como
descrever. Acredito que tenha a ver com pessoas querendo se sentir especiais,
porque não consigo enxergar uma razão clara para existirem terraplanistas hoje
em dia. Por sorte, eles não representam um grupo muito grande, mas um só que
acredite nisso talvez seja gente demais.
BBC News Brasil - Para Galileu, era muito importante que
toda descoberta científica fosse baseada em evidências. O negacionismo vem de
uma falta de compreensão das evidências conseguidas pela ciência, que ainda
hoje é distante do dia a dia da população em geral?
Livio - Acredito que o papel da ciência, em grande parte, é
também fazer com que as descobertas e o conhecimento científico sejam
conhecidos pelo público. Galileu era extremamente bom nisso. Ele escreveu a
maioria de seus livros em italiano em vez de latim para que pessoas comuns
fossem capazes de lê-los. Ele também enviou telescópios para toda a Europa, com
instruções de uso, para que as pessoas pudessem ver com seus próprios olhos
aquilo sobre o que ele escrevia.
Claro que há alguns ramos da ciência hoje que podem ser
complexos demais e requerem um conhecimento muito detalhado de matemática, mas
os conceitos gerais poderiam ser aprendidos por todos. Acredito que os
telescópios espaciais, como o Hubble, fizeram um ótimo trabalho em criar
imagens incríveis que todos podem apreciar mesmo sem entender completamente a
ciência por trás delas.
BBC News Brasil - Essa é uma forma eficaz de lutar contra o
negacionismo, explicar com mais afinco conceitos básicos para o público geral,
eliminando muitas dessas ideias erradas?
Livio - Sim, e tem sido essa a minha intenção. Até o momento
publiquei sete livros com apelo popular sobre ciência, todos voltados para
pessoas comuns, que não são versadas em ciências.
BBC News Brasil - Esse problema tem ligação com um ponto que
o senhor discute no livro, a respeito da separação entre as ciências e
disciplinas de humanidades?
Livio - Sim, essa é uma separação que existe até hoje entre
esses dois tópicos. Isso foi apontado pelo químico e escritor C. P. Snow em uma
palestra e em seu livro Duas Culturas.
Segundo Snow, um grupo de literatos na Inglaterra, a partir
da década de 1930, começou a denominar seus membros de intelectuais, ao mesmo
tempo em que excluíam os cientistas desse grupo. Eles não perceberam que,
enquanto reclamavam que cientistas não eram familiarizados com trabalhos da
área de humanidades, eles mesmos desconheciam completamente o teor de trabalhos
científicos.
Uma das coisas que tento fazer ao escrever livros de apelo
popular é tentar reduzir um pouco essa distância entre as duas áreas de
conhecimento. Galileu não teve esse problema, ele era um cientista e um
humanista. Muitas pessoas do Renascimento, como Leonardo da Vinci, também eram
assim.
Hoje acredito que esse fenômeno represente uma falha no
sistema educacional, porque esse é o lugar onde deveríamos aprender que tanto
as humanidades quanto as ciências fazem parte de uma única cultura humana. É
preciso que todos conheçam ao menos o básico de ambas para que não continuemos
vendo pessoas defendendo absurdos como a Terra plana.
Ao mesmo tempo em que todo mundo deve aprender sobre os
trabalhos de Shakespeare, de poetas e artistas como Van Gogh, as pessoas também
precisam entender as ciências, conhecer as leis da natureza às quais todo o
universo deve obedecer. E, mais do que isso, entender a importância da ciência
em nossas vidas. Para se ter uma ideia desse impacto da ciência, basta ver que
a expectativa de vida na época de Galileu era aproximadamente a metade do que é
hoje.
BBC News Brasil - Alguns defendem que colocar em dúvida
conceitos científicos é uma questão de opinião, um exercício de liberdade de
pensamento. O que o senhor responderia a isso?
Livio - Para ser honesto, acredito que seja um argumento
bobo. Todos têm direito às suas opiniões, claro, mas não têm o direito de negar
fatos comprovados. Isso é ingenuidade, não um exercício de liberdade de
pensamento nem de expressão. Se você disser hoje que a Terra não gira em torno
do Sol, isso não é liberdade de pensamento, já que é um fato que a Terra gira
em torno do Sol.
A famosa filósofa Hannah Arendt escreveu um livro sobre as
origens do totalitarismo. Nele, ela diz que o principal objetivo do
totalitarismo não é convencer nazistas ou comunistas, mas sim aquelas pessoas
para quem a distinção entre fato e ficção, verdade ou mentira, já não existe
mais.
É uma afirmação muito poderosa, que fala sobre a importância
dos fatos, aos quais só se chega por meio de uma observação experimental
cuidadosa e paciente, analisando depois as informações conseguidas. Essa é a
única maneira.
Hoje estamos vivendo algo que pode ser chamado de morte dos
fatos, o que considero extremamente perigoso. Basicamente, a mensagem que nos
chega de Galileu é: acredite na ciência. Acho que essa mensagem pode ser
interessante também para o Brasil nas circunstâncias atuais.
Texto e imagem reproduzidos do site: bbc.com
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