Stephen Hawking, fotografado em Cambridge em 2013.
Publicado originalmente no site Brasil El País, em 29 de outubro de 2018
Há mais vida inteligente no universo?
EL PAÍS adianta um capítulo do livro póstumo de Stephen
Hawking, ‘Breves Respostas para Grandes Questões’
Há mais vida inteligente no universo? Um século de buscas,
sem êxito, por alienígenas
Eu gostaria de especular um pouco sobre o desenvolvimento da
vida no universo e, em particular, sobre o desenvolvimento da vida inteligente.
Incluirei nela a espécie humana, embora grande parte de seu comportamento ao
longo da história tenha sido bastante estúpido e pouco calculado para ajudar a
sobrevivência da espécie. Duas perguntas que discutirei são: existe a
possibilidade de que haja vida em outro lugar do universo? E como a vida poderá
se desenvolver no futuro?
É uma questão de experiência comum que as coisas se tornam
mais desordenadas e caóticas com o tempo. Esta observação tem inclusive sua
própria lei, a segunda lei da termodinâmica. Esta lei diz que a quantidade
total de desordem, ou entropia, no universo sempre aumenta com o tempo.
Entretanto, esta lei se refere só à quantidade total de desordem. A ordem em um
corpo pode aumentar, desde que a quantidade de desordem em seu ambiente aumente
em uma quantidade maior.
É isso que acontece nos seres vivos. Podemos definir a vida
como um sistema ordenado capaz de se manter contrário à tendência à desordem, e
que pode reproduzir a si mesmo. Ou seja, pode produzir sistemas ordenados
similares a ele, mas independentes. Para conseguir isso, o sistema deve
transformar a energia que recebe em alguma forma ordenada, como alimentos, luz
solar ou energia elétrica, em energia desordenada, na forma de calor. Dessa
forma, o sistema pode satisfazer o requisito de que a quantidade total de
desordem aumenta enquanto, ao mesmo tempo, aumenta a ordem nele e sua
descendência. Isso nos faz pensar nos pais que vivem em uma casa que se torna
mais e mais desordenada cada vez que eles têm um novo bebê.
Um ser vivo como você ou como eu geralmente tem dois
elementos: um conjunto de instruções que lhe dizem como continuar vivo e como
se reproduzir, e um mecanismo para levar a cabo essas instruções. Em biologia,
esses dois elementos se chamam genes e metabolismo. Mas devemos enfatizar que
nada neles é exclusivo da biologia. Por exemplo, um vírus de computador é um
programa que faz cópias de si mesmo na memória de um computador e as transfere
para outros computadores. Portanto, ele condiz com a definição que acabo de dar
de sistema vivo. Assim como os vírus biológicos, é uma forma bastante
degenerada, porque contém apenas instruções ou genes e carece de metabolismo
próprio, mas reprograma o metabolismo do computador ou da célula anfitriã.
Algumas pessoas têm questionado se os vírus deveriam ser considerados vida,
porque são parasitas e não podem existir independentemente de seus anfitriões,
embora a maioria das formas de vida sejam parasitas, inclusive nós, no sentido
de que nos alimentamos e dependemos de outras formas de vida para nossa
sobrevivência. Acredito que os vírus de computador deveriam ser considerados
vida. Talvez diga algo sobre a natureza humana o fato de que a única forma de
vida que fomos capazes de criar até agora seja puramente destrutiva. Isso
mostra com eloquência o que é criar vida à nossa própria imagem. Voltarei ao
assunto das formas de vida eletrônicas mais adiante.
O que normalmente consideramos “vida” se baseia em cadeias de
átomos de carbono, com alguns outros átomos, como nitrogênio ou fósforo.
Podemos especular se poderia haver vida com alguma outra base química, como o
silício, mas o carbono parece o caso mais favorável, porque tem a química mais
rica. Os átomos de carbono só podem existir, com as propriedades que têm,
graças a um ajuste fino das constantes físicas, como a escala da cromodinâmica
quântica, a carga elétrica e inclusive a dimensionalidade do espaço-tempo. Se
essas constantes tivessem valores significativamente diferentes, o núcleo do
átomo de carbono não seria estável, ou os elétrons entrariam em colapso no
núcleo. À primeira vista, parece notável que o universo esteja tão finamente
sintonizado. Talvez isto seja uma evidência de que o universo tenha sido especialmente
desenhado para produzir a espécie humana. No entanto, precisamos ter cuidado
com tais argumentos, que se conhecem como Princípio Antrópico. Esse princípio
se baseia na evidência de que se o universo não tivesse sido adequado para a
vida, não estaríamos aqui, imaginando por que ele tem um equilíbrio tão
refinado. Podemos aplicar o Princípio Antrópico em suas versões forte ou fraca.
O princípio forte pressupõe que há muitos universos diferentes, cada um com
valores distintos de constantes físicas. Em um número pequeno de tais
universos, os valores permitirão a existência de objetos como os átomos de
carbono, que podem atuar como blocos de construção dos sistemas vivos. Como
devemos viver em um desses universos, não deveria nos surpreender que as constantes
físicas estejam finamente sintonizadas. Se não estivessem, não estaríamos aqui.
A forma forte do Princípio Antrópico não é muito satisfatória. Que significado
operacional pode ser dado à existência de todos esses outros universos? E se
estão separados do nosso próprio universo, como é que aquilo que ocorre neles
pode afetar este nosso universo? Em vez dessa versão forte, adotarei o que se
conhece como Princípio Antrópico fraco, ou seja, considerarei os valores das
constantes físicas como já dados, e examinarei quais conclusões se pode tirar
do fato de que a vida existe neste planeta e nesta etapa da história do
universo.
Acredito que os vírus de computador deveriam ser
considerados vida. Talvez diga algo sobre a natureza humana o fato de que a
única forma de vida que fomos capazes de criar até agora seja puramente
destrutiva. Isso mostra com eloquência o que é criar vida à nossa própria
imagem
Quando o universo começou no Big Bang, há 13,8 bilhões de
anos, não havia carbono. Fazia tanto calor que toda a matéria estava em forma
de partículas, chamadas prótons e nêutrons. Inicialmente teria existido a mesma
quantidade de prótons e de nêutrons. Entretanto, quando o universo se expandiu,
esfriou-se. Mais ou menos um minuto depois do Big Bang, a temperatura teria
caído para cerca de um bilhão de graus, aproximadamente cem vezes a temperatura
no centro do Sol. Nessa temperatura, os nêutrons começam a se decompor em
prótons.
Se isso tivesse sido tudo o que aconteceu, toda a matéria no
universo teria terminado como o elemento mais simples, o hidrogênio, cujo
núcleo consiste em um único próton. No entanto, alguns dos nêutrons se chocaram
com prótons e se uniram a eles para formar o elemento seguinte mais simples, o
hélio, cujo núcleo se compõe de dois prótons e dois nêutrons. Mas no universo
primitivo não teriam sido formados elementos mais pesados que esse, como o
carbono e o oxigênio, por exemplo. É difícil imaginar que se pudesse construir
um sistema vivo apenas com hidrogênio e hélio e, de qualquer forma, o universo,
no início, ainda estava muito quente para que os átomos se combinassem em
moléculas.
O universo continuou se expandindo e esfriando. Mas algumas
regiões tinham densidades ligeiramente mais altas do que outras, e a atração
gravitacional da matéria extra nessas regiões reduziu o ritmo da expansão e
finalmente a deteve. Elas entraram em colapso para formar galáxias e estrelas,
cerca de dois bilhões de anos depois do Big Bang. Algumas das primeiras
estrelas teriam sido mais maciças que o nosso Sol, teriam estado mais quentes
que o Sol e teriam convertido o hidrogênio e o hélio originais em elementos
mais pesados, como carbono, oxigênio e ferro. Isso poderia ter levado apenas
umas poucas centenas de milhões de anos. Depois disso, algumas das estrelas
explodiram como supernovas e pulverizaram os elementos pesados no espaço,
formando assim a matéria-prima para as gerações posteriores de estrelas.
As outras estrelas estão muito longe para que possamos ver
diretamente se têm planetas girando em torno delas. No entanto, há duas
técnicas que nos permitem descobrir planetas ao redor de outras estrelas. A
primeira consiste em observar a estrela e ver se a quantidade de luz que nos
chega dela permanece constante. Se um planeta se mover diante da estrela, a luz
da estrela será levemente interceptada e a estrela escurecerá um pouco. Se isso
ocorre regularmente, é porque a órbita de um planeta está fazendo com que ele
passe repetidamente diante da estrela. Uma segunda técnica consiste em medir
com precisão a posição da estrela. Se algum planeta orbitar ao seu redor,
induzirá uma pequena oscilação na posição da estrela. Isso pode ser observado
e, mais uma vez, se a oscilação é regular, podemos deduzir que é porque algum
planeta gira em torno da estrela. Esses métodos foram usados pela primeira vez
cerca de vinte anos atrás e até agora foram descobertos alguns poucos milhares
de planetas girando ao redor de estrelas distantes. Estima-se que uma de cada
cinco estrelas tenha um planeta de tamanho parecido ao da Terra girando a uma
distância da estrela compatível com a vida, da forma como a conhecemos. Nosso
sistema solar se formou há cerca de 4,5 bilhões de anos, ou aproximadamente 9
bilhões de anos depois do Big Bang, a partir de gás poluído com os restos de
estrelas anteriores. A Terra se formou em grande parte a partir de elementos
mais pesados, incluindo o carbono e o oxigênio. De algum modo, alguns desses
átomos chegaram a se organizar na forma de moléculas de DNA, que têm a famosa
forma de dupla hélice descoberta na década de 1950 por Francis Crick e James
Watson em um galpão no local onde hoje fica o New Museums de Cambridge. As duas
cadeias helicoidais são unidas por pares de bases nitrogenadas. Há quatro tipos
de bases nitrogenadas: adenina, citosina, guanina e timina. Uma adenina de uma
cadeia sempre se combina com uma timina da outra cadeia, e uma guanina com uma
citosina. Portanto, a sequência de bases de uma cadeia define uma sequência
complementar única da outra cadeia. As duas cadeias podem se separar e atuar
cada uma como modelo para a construção de cadeias adicionais. Portanto, as
moléculas de DNA podem reproduzir a informação genética codificada em suas
sequências de bases nitrogenadas. Fragmentos da sequência podem ser utilizados
para fabricar proteínas e outros produtos químicos, que podem levar a cabo as
instruções codificadas na sequência e montar a matéria-prima para que o DNA se
reproduza.
Não está claro que a inteligência tenha um valor de
sobrevivência a longo prazo. As bactérias e outros organismos unicelulares
poderiam continuar vivendo mesmo que todas as outras formas de vida fossem
eliminadas por nossas ações
Como já mencionei, não sabemos como apareceram pela primeira
vez as moléculas de DNA. Como a probabilidade de que uma molécula de DNA surja
por flutuações aleatórias é muito pequena, algumas pessoas sugeriram que a vida
tenha chegado de outro lugar à Terra − por exemplo, trazida por rochas que se
desprenderam de Marte enquanto os planetas ainda eram instáveis − e que haja
sementes de vida flutuando por toda parte na galáxia. No entanto, parece pouco
provável que o DNA possa sobreviver muito tempo na radiação do espaço.
Se o aparecimento da vida em um determinado planeta é muito
pouco provável, poderia ser esperado que tivesse demorado o máximo possível
para ocorrer, um período compatível com o tempo necessário para a evolução
posterior para seres inteligentes, como nós, antes que o Sol se dilate e engula
a Terra. A janela temporária em que o início da vida poderia ter ocorrido é o
tempo de vida do Sol, ou seja, cerca de dez bilhões de anos. Durante esse
tempo, uma forma inteligente de vida poderia chegar a dominar a técnica das
viagens espaciais e transferir-se para outra estrela. Mas, se não conseguisse
escapar, a vida na Terra estaria condenada ao fracasso.
Há evidência fóssil de que havia alguma forma de vida na
Terra há 3,5 bilhões de anos, mas apenas 500 milhões de anos depois que a Terra
ficou estável e esfriou o suficiente para que a vida pudesse se desenvolver.
Mas, em vez disso, a vida poderia ter demorado sete bilhões de anos para se
desenvolver, e ainda sobraria muito tempo para ela evoluir para seres como nós,
que pudessem pesquisar a origem da vida. Se a probabilidade de que a vida se
desenvolva em um determinado planeta é muito pequena, por que aconteceu na
Terra em apenas um catorze avos (1/14) do tempo disponível?
Nos últimos dez mil anos, mais ou menos, temos estado
naquela que poderia ser chamada de fase de transmissão externa. Nessa etapa, o
registro interno de informação transmitido para as gerações posteriores no DNA
mudou um pouco. Mas o registro externo − em livros e outras formas de
armazenamento de longa duração − cresceu enormemente
O aparecimento precoce da vida na Terra sugere que há boas
possibilidades de geração espontânea de vida em condições adequadas. Talvez
tenha havido alguma forma anterior mais simples de organização que construiu
posteriormente o DNA. Uma vez surgido o DNA, teria sido tão bem-sucedida a
ponto de ter substituído completamente as formas de vida anteriores. Não
sabemos quais teriam sido tais formas, mas uma possibilidade é o RNA.
O RNA é como o DNA, mas mais simples e sem a estrutura de
dupla hélice. Sequências curtas de RNA poderiam se reproduzir como o DNA e
acabar se acumulando no DNA. Não podemos produzir ácidos nucléicos no
laboratório a partir de material não vivo, e muito menos RNA. Mas em 500
milhões de anos, e dada a imensidão dos oceanos que cobrem a maior parte da
Terra, poderia haver uma probabilidade razoável de que o RNA fosse produzido
por acaso.
Se a probabilidade de que a vida se desenvolva em um
determinado planeta é muito pequena, por que aconteceu na Terra em apenas 1/14
do tempo disponível?
À medida que o DNA foi se reproduzindo, teriam ocorrido
erros aleatórios, muitos dos quais teriam sido nocivos e teriam se extinguido.
Alguns teriam sido neutros e não teriam afetado a função do gene. E alguns
erros teriam sido favoráveis para a sobrevivência da espécie e teriam sido
escolhidos pela seleção natural darwiniana.
No início, o processo de evolução biológica foi muito lento.
Demorou 2,5 bilhões de anos para que as células mais antigas evoluíssem até
organismos multicelulares. Entretanto, demorou menos de um bilhão de anos
adicionais a evolução até os peixes, e uns quinhentos milhões para que estes
evoluíssem até os mamíferos. Depois, a evolução parece ter se acelerado ainda
mais. Levou apenas cem milhões de anos em passar dos primeiros mamíferos até
nós. A razão é que os mamíferos primitivos já continham essencialmente a
maioria dos nossos órgãos importantes. Tudo que foi necessário para evoluir dos
primeiros mamíferos até os humanos foi um pouco de ajuste fino.
Mas com a espécie humana a evolução chegou a uma etapa
crítica, comparável em importância ao desenvolvimento do DNA: o desenvolvimento
da linguagem, particularmente da linguagem escrita, que significa que a
informação pode ser transmitida de geração em geração de outra forma, além da
transmissão genética por meio do DNA. Ocorreram algumas mudanças detectáveis no
DNA humano, provocadas pela evolução biológica, nos dez mil anos de história
registrada, mas a quantidade de conhecimento transmitido de geração em geração
cresceu enormemente. Venho escrevendo livros para contar algo do que aprendi
sobre o universo em minha longa carreira como cientista, e ao fazer isso estou
transferindo o conhecimento do meu cérebro para a página, para que você possa
lê-lo.
O DNA em um óvulo e um espermatozoide humanos contém
aproximadamente três bilhões de pares de bases nitrogenadas. Grande parte da
informação codificada nessa sequência, entretanto, parece ser redundante e
estar inativa. Então, a quantidade total de informação útil em nossos genes é
provavelmente algo como cem milhões de bits. Um bit de informação é a resposta
a uma pergunta de sim ou não. Como um romance de bolso pode conter dois milhões
de bits de informação, um ser humano é o equivalente a cinquenta livros de
Harry Potter e uma grande biblioteca nacional pode conter por volta de cinco
milhões de livros, ou aproximadamente dez bilhões de bits. A quantidade de
informação transmitida em livros e pela Internet é cem mil vezes maior do que
no DNA.
Ainda mais importante é o fato de que a informação nos
livros pode mudar e se atualizar muito mais rapidamente. Custou vários milhões
de anos evoluir dos símios. Durante esse tempo, a informação útil em nosso DNA
provavelmente mudou somente poucos milhões de bits, de modo que a taxa de
evolução biológica em humanos é aproximadamente um bit por ano. Por outro lado,
surgem aproximadamente 50.000 novos livros publicados em inglês por ano, que
contêm por volta de 100 bilhões de bits de informação. Certamente a grande
maioria dessa informação é lixo e não serve para nenhuma forma de vida, mas
ainda assim a velocidade com que a informação útil pode ser agregada é de
milhões, até bilhões, maior do que com o DNA.
Isso significa que entramos em uma nova fase da evolução. No
começo, a evolução ocorreu por seleção natural - a partir de mutações
aleatórias. Essa fase darwiniana durou aproximadamente 3,5 bilhões de anos e
produziu seres que desenvolveram a linguagem para trocar informação. Mas nos
últimos dez mil anos, mais ou menos, estamos no que pode ser chamada de uma
fase de transmissão externa. Nessa etapa, o registro interno de informação
transmitido às gerações posteriores no DNA mudou um pouco. Mas o registro
externo - em livros e outras formas de armazenamento de longa duração -,
cresceu enormemente.
Algumas pessoas usariam o termo “evolução” somente ao
material genético transmitido internamente e se oporiam a que fosse aplicado à
informação transmitida externamente, mas acho que é uma visão muito pequena.
Somos mais que nossos genes. Pode ser que não sejamos inerentemente mais fortes
e mais inteligentes do que nossos antepassados cavernícolas, mas o que nos
diferencia deles é o conhecimento que acumulamos durante os últimos dez mil
anos, e particularmente durante os últimos trezentos. Acho que é legítimo ter
uma visão mais ampla, e incluir a informação transmitida externamente, assim
como também a do DNA, na evolução da espécie humana.
A escala de tempo para a evolução, no período de transmissão
externa, é a escala de tempo para a acumulação de informação, que costumava ser
de centenas, e até milhares, de anos. Mas agora essa escala de tempo se reduziu
a cinquenta anos ou menos. Por outro lado, os cérebros com os quais processamos
essa informação evoluíram na escala de tempo darwiniana, de centenas de
milhares de anos. Isso começa a causar problemas. No século XVIII, disseram que
existia um homem que havia lido todos os livros escritos. Mas atualmente, se
lesse um livro por dia, levaria 15.000 anos para ler os livros em uma
Biblioteca Nacional. E nesse tempo muitos outros livros teriam sido escritos.
Isso significa que ninguém pode dominar mais do que uma pequena
parte do conhecimento humano. Precisaremos nos especializar em campos cada vez
menores. É provável que isso seja uma grande limitação no futuro. Certamente
não poderemos continuar por muito tempo com a taxa de crescimento exponencial
do conhecimento que tivemos nos últimos trezentos anos. Uma limitação e um
perigo ainda maiores às gerações futuras são que ainda temos os instintos, e
particularmente os impulsos agressivos, que tivemos nos dias do homem das
cavernas. A agressão, na forma de subjugar e matar outros homens e tomar suas
mulheres e sua comida, teve vantagens à sobrevivência até hoje, mas agora
poderia destruir toda a espécie humana e grande parte do restante da vida na
Terra. Uma guerra nuclear continua sendo o perigo mais imediato, mas existem
outros, como liberar um vírus geneticamente modificado, e que o efeito estufa
se acelere.
Não há tempo para esperar que a evolução darwiniana nos faça
mais inteligentes e afáveis. Mas agora estamos entrando em uma nova fase do que
poderíamos chamar de evolução autoprojetada, em que podemos mudar e melhorar
nosso DNA. Agora mapeamos o DNA, o que significa que lemos o livro da vida e
podemos começar a escrever correções com ele. No começo, essas mudanças se
limitarão à reparação de defeitos genéticos, como a fibrose cística e a
distrofia muscular, que são controladas por somente um gene cada, de modo que é
bem fácil identificá-las e corrigi-las. Outras qualidades, como a inteligência,
provavelmente são controladas por um grande número de genes, e será muito mais
difícil encontrá-los e resolver as relações entre eles. Estou certo,
entretanto, de que durante esse século descobriremos como modificar tanto a
inteligência como os instintos, por exemplo o da agressividade.
Talvez seja possível utilizar a engenheira genética para
fazer com que a vida baseada em DNA sobreviva indefinidamente, ou pelo menos
cem mil anos. Mas uma forma mais fácil, que já está quase a nosso alcance,
seria enviar máquinas
Provavelmente serão aprovadas leis contra a engenharia
genética com humanos, mas algumas pessoas não poderão resistir à tentação de
melhorar as características humanas, como o tamanho da memória, a resistência a
doenças e a duração da vida. Quando surgirem os super-humanos, surgirão
problemas importantes com os humanos não melhorados, que não poderão competir
com eles. Provavelmente, morrerão ou perderão importância. Por outro lado,
haverá uma corrida de seres autoprojetados, que irão se melhorando a um ritmo
cada vez maior.
Se a espécie humana conseguir reconstruir a si mesma para
reduzir e eliminar o risco de destruição suicida, provavelmente se estenderá e
colonizará outros planetas e estrelas. As viagens espaciais à longa distância,
entretanto, serão difíceis para as formas de via como nós, baseadas na química,
no DNA. A vida natural de tais seres é curta em comparação com o tempo de
viagem. De acordo com a teoria da relatividade, nada pode viajar mais rápido do
que a luz, de modo que uma viagem de ida e volta à estrela mais próxima levaria
pelo menos oito anos, e ao centro da galáxia por volta de cinquenta mil anos.
Na ficção científica, superam essa dificuldade com curvaturas do espaço e
viajando através de dimensões adicionais, mas não acho que isso será possível,
por mais inteligente que a vida se torne. Na teoria da relatividade, se for
possível viajar mais rápido do que a luz, também será possível voltar no tempo,
e isso causaria problemas com as pessoas que voltariam para mudar o passado.
Também esperaríamos ter visto um grande número de turistas do futuro, movidos
pela curiosidade de ver nossas formas de vida pitorescas e ultrapassadas.
Talvez seja possível utilizar a engenharia genética para
fazer com que a vida baseada em DNA sobreviva indefinidamente, ou pelo menos
cem mil anos. Mas uma forma fácil, que já está quase a nosso alcance, seria
enviar máquinas. Elas poderiam ser projetadas para durar muito, o suficiente
para viagens interestelares. Quando chegarem a uma nova estrela, poderiam
aterrissar em um local adequado de um planeta e escavar minas para conseguir
material para produzir mais máquinas, que poderiam ser enviadas a mais
estrelas. Tais máquinas seriam uma nova forma de vida, baseada em componentes
mecânicos e eletrônicos, em vez de macromoléculas. Poderiam chegar a substituir
a vida baseada em DNA, da mesma forma que o DNA pode ter substituído uma forma
de vida anterior.
RESPOSTAS PARA (QUASE) TUDO
Stephen Hawking (Oxford, 1942 - Cambridge, 2018) foi,
provavelmente, o cientista mais popular das últimas décadas. Apesar de suas
enormes limitações físicas, provocadas pela ELA, escreveu dúzias de artigos
científicos e livros como Uma Breve História do Tempo, que se transformou em um
sucesso de vendas. Sua capacidade de divulgação, seu espírito de luta e seu
peculiar senso de humor o transformaram em uma figura de fama mundial.
Breves Respostas para Grandes Questões é sua obra póstuma,
na qual trabalhava no momento de sua morte. Nesse livro dá seu ponto de vista
pessoal às grandes perguntas que os humanos sempre fizeram. Há um Deus? Como
tudo começou? É possível viajar no tempo? O prólogo do livro foi escrito pelo
ator Eddie Redmayne e também contém um epílogo da filha e colaboradora do
cientista, Lucy Hawking.
Breves respostas às grandes perguntas é sua obra póstuma, na
que trabalhava no momento de sua morte. Neste livro oferece seu ponto de vista
pessoal às grandes perguntas que desde sempre se fazem os humanos: Há um Deus?
Como começou tudo? É possível viajar no tempo? O livro foi prologado pelo ator
Eddie Redmayne e também contém um epílogo da filha e colaboradora do cientista,
Lucy Hawking.
Quais são as possibilidades de que encontremos alguma forma
de vida alienígena enquanto exploramos a galáxia? Se o argumento sobre a escala
de tempo para o surgimento da vida na Terra estiver certo, deveriam existir
muitas outras estrelas cujos planetas tenham vida. Alguns desses sistemas
estelares poderiam ter se formado cinco bilhões de anos antes da Terra, então
por que a galáxia não está repleta de formas de vida mecânicas e biológicas?
Por que a Terra não foi visitada e até colonizada? Certamente descarto as
sugestões de que os óvnis contenham seres do espaço anterior, já que acho que
qualquer visita de extraterrestres seria muito mais evidente e provavelmente,
também, muito mais desagradável.
Então, por que não nos visitaram? Talvez a probabilidade de
que a vida apareça espontaneamente seja tão baixa que a Terra é o único planeta
na galáxia - ou no universo observável - em que ocorreu. Outra possibilidade é
que a probabilidade de que se formassem sistemas capazes de se autoreproduzir,
como por exemplo as células, fosse razoável, mas que a maioria dessas formas de
vida não evoluiu à inteligência. Estamos acostumados a pensar na vida
inteligente como uma consequência inevitável da evolução, mas e se não for? O
Princípio Antrópico deveria fazer com que desconfiássemos de tais argumentos. É
mais provável que a evolução seja um processo aleatório, com a inteligência
como uma possibilidade entre muitos outros resultados possíveis.
Nem sequer está claro que a inteligência tenha um valor de
sobrevivência a longo prazo. As bactérias e outros organismos unicelulares
poderiam continuar vivendo mesmo que todas as outras formas de vida fossem
eliminadas por nossas ações. Para a vida na Terra, a inteligência talvez tenha
sido um desenvolvimento pouco provável, já que na cronologia da evolução
demorou muito tempo, 2,5 bilhões de anos, para que ocorresse a evolução de
seres unicelulares a seres multicelulares, que são um precursor necessário à
inteligência. Como essa é uma boa fração do tempo total disponível antes que o
Sol exploda, seria consistente com a hipótese de que a probabilidade de que a
vida chegue à inteligência seja baixa. Se for assim, talvez possamos encontrar
muitas outras formas de vida na galáxia, mas seria pouco provável que
encontrássemos vida inteligente.
Outra razão pela qual a vida poderia não chegar a uma etapa
inteligente seria o choque de um asteroide ou um cometa com o planeta. Em 1994,
observamos como a colisão do cometa Shoemaker-Levi com Júpiter produziu uma
série de enormes bolas de fogo. A teoria diz que a colisão de um corpo bem
menor com a Terra, há sessenta e cinco milhões de anos, provocou a extinção dos
dinossauros. Alguns pequenos mamíferos primitivos sobreviveram, mas qualquer
organismo do tamanho de um ser humano certamente teria sido aniquilado. É
difícil dizer qual a frequência de tais colisões, mas uma conjuntura razoável
poderia ser a cada vinte milhões de anos, em média. Se esse número estiver
correto, significaria que a vida inteligente na Terra se desenvolveu graças ao
fato de não ocorrerem colisões importantes nos últimos milhões de anos. É
possível que outros planetas da galáxia em que a vida tenha se desenvolvido não
tenham tido um tempo suficientemente longo sem colisões para desenvolver seres
inteligentes.
Uma terceira possibilidade é que existe uma probabilidade
razoável de que a vida se forme e evolua a seres inteligentes, mas que o
sistema se torne instável e a vida inteligente destrua a si mesma. Essa seria
uma conclusão muito pessimista e espero sinceramente que não seja verdade.
Por que não nos visitaram? Talvez a probabilidade de que a
vida apareça espontaneamente seja tão pequena que a Terra é o único planeta na
galáxia — ou no universo observável— em que ocorreu
Prefiro uma quarta possibilidade: que existem outras formas
de vida inteligente, mas que fomos esquecidos. Em 2015 participei do lançamento
da iniciativa Breakthrough-listen, que utiliza observações de ondas de rádio
para procurar vida inteligente extraterrestre e tem instalações modernas,
financiamento generoso e milhares de horas de observação reservadas em radiotelescópios.
É o maior programa de pesquisa dedicado até agora a procurar evidências de
civilizações além da Terra. O Breakthrough Message é um concurso internacional
para criar mensagens que possam ser lidas por civilizações avançadas. Mas
devemos ser cautelosos em responder até nos desenvolvermos um pouco mais. Um
encontro com uma civilização mais avançada, em nossa etapa atual, poderia ser
um pouco como quando os habitantes originais da América conheceram Colombo (e
não acho que pensaram que melhoraram com ele).
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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