Primeira foto de um buraco negro supermassivo
no centro da galáxia M87 feita pelo projeto
Event Horizon Telescope
Dia histórico para a ciência: revelada a primeira imagem de
buraco negro
Event Horizon Telescope, rede de oito observatórios ao redor
do mundo, divulgou hoje a primeira imagem real de um buraco negro supermassivo,
fenômeno previsto por Einstein
Por Luiza Caires (Editorias: Ciências Exatas e da Terra)
S Se você está lendo este texto, está entre as pessoas de
sorte que viveram para ver uma imagem histórica para a ciência. Acaba de ser
revelada a primeira foto de um buraco negro supermassivo no centro de Messier
87, uma enorme galáxia no aglomerado de Virgem. Este buraco negro está a 53,5
milhões de anos-luz da Terra e tem uma massa de 6,5 bilhões de vezes a massa do
Sol. Esses monstros cósmicos conhecidos como buracos negros são pequenos,
considerando a escala universal, mas com uma massa imensa a ponto de gerar um
efeito gravitacional gigantesco. E que torna impossível a luz escapar deles –
daí o nome que recebem. Mas para entender o tamanho do feito da equipe do Event
Horizon Telescope, rede de oito observatórios ao redor do mundo, vamos voltar
um pouco no tempo.
O ano é 1975, e um jovem cientista chamado João Steiner
acaba de defender o seu mestrado no Instituto de Astronomia, Geofísica e
Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. A dissertação Um modelo para Cygnus X-1
trata da primeira fonte de raios X, identificada na constelação do Cisne,
aceita como uma candidata a buraco negro. Até bem pouco tempo antes, esses
objetos singulares eram no máximo uma teoria bem construída, quando uma prova
indireta de sua existência – Cygnus X-1 – fora revelada.
Passamos para 1995, ano da descoberta de um disco em torno
da galáxia NGC 4258, que só a existência de um buraco negro poderia explicar.
Pouco tempo depois, em 2002, é descoberta uma estrela chamada S2, aqui na Via
Láctea. Novamente, as características da órbita de S2 só poderiam ser
explicadas se o objeto invisível ao redor do qual a estrela se movimenta fosse
um buraco negro. Depois desta observação, praticamente não havia mais quem, na
comunidade científica, duvidasse da existência dos buracos negros.
Professor João Steiner: imagem exibe fenômeno
previsto pela
Teoria da Relatividade Geral, de Einstein,
além de ser um feito tecnológico
extraordinário
Foto: Luiza Caires
Antes disso, porém, não era desprezível o número de
cientistas céticos quanto à realidade destes objetos diretamente invisíveis.
Para Steiner, contudo, muito tempo antes, as evidências dos buracos negros já
eram sólidas o suficiente para não abalar sua confiança. Nem mesmo na década de
70, quando um pesquisador norte-americano mais experiente que dava aula no IAG
alfinetou o então cientista em início de carreira, saindo da sala onde o
astrofísico acabava de defender sua dissertação: “Eu não acredito em buracos
negros, isso não existe”, disse Charles Dean.
Pulamos para 2019, ano em que é apresentada a primeira foto
de um buraco negro. Agora, um dos maiores estudiosos no Brasil do fenômeno,
Steiner sorri ao relembrar a história. “Faz parte. É saudável haver ceticismo
na comunidade científica”, diz ele. Mas ressalva: “Somente até que as
evidências sejam indiscutíveis. Não dá para ser cético diante de evidências
acumuladas por décadas, como é o caso do aquecimento global, por exemplo”.
Nesta quarta-feira, 10 de abril, o professor do IAG se
revezou entre o evento organizado no instituto para retransmitir a coletiva do
Event Horizon Telescope (EHT) e uma reunião acadêmica, marcada (sob alguns
protestos) para o mesmo horário. A afirmação do diretor do projeto EHT, Sheperd
Doeleman, explica os protestos de quem queria acompanhar o evento, e resume seu
impacto: “Nós tiramos a primeira foto de um buraco negro”, disse. “Este é um
extraordinário feito científico realizado por uma equipe de mais de 200
pesquisadores”, comemorou Doeleman durante uma das conferências de imprensa
simultâneas em todo o mundo em que o EHT revelou o sucesso da empreitada,
exibindo a primeira evidência visual direta de um buraco negro supermassivo e
sua sombra.
Radiotelescópios captaram a radiação que foi processada
para
formar a imagem: uma silhueta do buraco negro
supermassivo que fica em outra
galáxia
Foto: Jonathan Weintroub/Eventhorizontelescope.org
“Conseguimos algo que se presumia impossível apenas há uma
geração”, concluiu Doeleman. “Avanços na tecnologia, conexões entre os melhores
observatórios de rádio do mundo e algoritmos inovadores se uniram para abrir
uma janela totalmente nova sobre os buracos negros e o horizonte de eventos.”
Rodrigo Nemmen, professor do IAG que pesquisa buracos negros
e organizou a transmissão da coletiva no Brasil, ecoa a empolgação. “Estou
eletrizado. Vamos desfrutar deste momento. É a primeira vez que a nossa espécie
fez uma fotografia de um dos objetos mais assombrosos do universo. Este tipo de
coisa acontece só uma vez na história.”
Como isso foi possível?
O Event Horizon Telescope tem seus radiotelescópios
espalhados pelo planeta, apontando para dois buracos negros supermassivos:
Sagitário A*, localizado no centro da Via Láctea, e um buraco negro ainda mais
massivo, porém mais distante: 53,5 milhões de anos-luz de distância na galáxia
M87 – foi este último que teve sua imagem revelada.
Rodrigo Nemmen, professor do IAG:
um dia eletrizante para os
cientistas
Foto: Ana Paula Tauhyl
Há exatamente dois anos, em abril de 2017, a rede se uniu
para observar o chamado horizonte de eventos desses buracos negros. Trata-se do
limite até onde a luz consegue passar próxima ao buraco sem ser sugada por sua
força gravitacional extrema. Se nem a luz pode escapar, além do horizonte de
eventos tudo é escuridão. Mas junto com gás, poeira e átomos se chocando em
velocidades extremas, as micro-ondas do disco de gás que fica em volta do
buraco (o chamado disco de acreção) formam um anel de radiação que pode ser
captada para nos mostrar os contornos do buraco negro. E é isso que mostra a
imagem, obtida a partir do cruzamento dos dados dos observatórios.
Não bastava, no entanto, captar essa radiação. O
processamento dos dados obtidos pela interferometria das ondas captadas através
de cada um dos telescópios exigiu tecnologia robusta e o trabalho de um grupo
enorme de cientistas, por dois anos. Por isso, só agora as imagens foram
apresentadas.
O que estamos vendo?
A imagem capturou a sombra do buraco negro no interior do
disco de material brilhante que a acompanha. Por causa da gravidade intensa
perto de um buraco negro, a trajetória da luz mostrada na imagem,
correspondendo à radiação do disco, é deformada em torno do horizonte de
eventos e aparece na forma de um anel. A imagem é mais brilhante de um lado do
que do outro porque o disco de acreção está girando ao redor do buraco negro:
um efeito relativístico semelhante ao efeito Doppler (distorção observada em
ondas que são emitidas por uma fonte em movimento) faz com que o lado do disco
que gira na direção da Terra pareça mais brilhante, enquanto que o mesmo efeito
faz com que o lado do disco que está se afastando da Terra pareça mais
escurecido.
O que vamos fazer com isso?
Essa foto com certeza será emoldurada e pendurada em salas
de muitos cientistas ao redor do mundo – além de ajudar a popularizar as
pesquisas científicas num momento em que a ciência está sob ataques. Mas sua
importância vai muito além disso. A primeira imagem real de um buraco negro vai
ajudar astrônomos e físicos a entender melhor esses objetos misteriosos. Se
existem aprimoramentos a serem feitos nas teorias de Albert Einstein, o melhor
fenômeno do Universo para conhecê-los é um buraco negro supermassivo cuja
existência, inclusive, ele previu. “Fazer imagens do horizonte de eventos é uma
importante confirmação da teoria da relatividade geral de Albert Einstein”, diz
Steiner.
Rede de oito observatórios ao redor do mundo,
inclusive no
Polo Sul, permitiu a observação da
imagem do buraco negro em M87
Mapa: EHT em
The Astrophysical Journal Letters
A teoria da relatividade geral prediz a deformação do
espaço-tempo por objetos de alta massa, além de prever a existência de buracos
negros, os objetos mais densos do Universo. Dessa forma, a curvatura que eles
criariam seria tão grande que, a partir de um certo ponto chamado horizonte de
eventos, nem a luz conseguiria escapar. Por isso, se a teoria estiver correta,
os buracos negros deveriam ser observados como regiões aproximadamente
circulares sem qualquer emissão de radiação. Ou seja, o que veríamos seria
apenas a matéria orbitando ao redor do horizonte de eventos. E é exatamente
isso que a imagem do EHT nos mostrou.
Além disso, o professor do IAG destaca que a massa do buraco
negro calculada a partir da imagem está bem próxima dos resultados obtidos por
outros meios, o que valida metodologias importantes para as pesquisas da
astrofísica. Por fim, ele também ressalta que o grau de resolução da imagem
apresentada “é um feito tecnológico extraordinário”.
A conquista do EHT também foi anunciada em uma série de seis
artigos que acabam de ser publicados em uma edição especial do The
Astrophysical Journal Letters.
Por: Luiza Caires
Consultoria científica: Natália Del Coco
Texto e imagens reproduzidos do site: jornal.usp.br
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