Pesquisadora do Museu Nacional ensina moradores
de Santa Filomena a procurarem meteoritos.
Foto: Amanda Tosi
As pesquisadoras da UFRJ que estão caçando os meteoritos
no sertão de Pernambuco, as "meteoríticas":
Maria Elizabeth Zucolotto, Amanda Tosi,
Diana Andrade e Sara Nunes.
Foto: Reprodução/redes sociais
Meteorito com 40 kg que caiu no sertão pernambucano
custa
mais de R$100 mil. É o maior meteorito
inteiro que já caiu no Brasil, segundo
pesquisadora do Museu Nacional.
Foto: Flávio Filo
Texto publicado originalmente no site G1 GLOBO, em 30 de agosto de
2020
Pesquisadores e 'caçadores' internacionais disputam
meteoritos após chuva de pedras no sertão pernambucano
Comércio de até R$ 100 mil por pedra causa polêmica na
cidade de Santa Filomena. Pedra de 40 kg é disputada entre Museu Nacional e
colecionadores de meteoritos.
Por Laís Modelli e Rodrigo Ortega, G1
Primeiro, uma chuva de meteoritos caiu em Santa Filomena
(PE), no dia 19 de agosto. Agora, a pequena cidade do sertão vê brotarem
pesquisadores e "caçadores de meteoritos" do Brasil e de outros países.
Junto dos moradores, eles vasculham terrenos e mata em busca
das pedras. A única pousada da cidade, que funciona junto de posto de gasolina,
virou "centro comercial", onde meteoritos maiores podem valer mais de
R$ 100 mil.
Os primeiros cientistas a chegarem a Santa Filomena, a 719
km do Recife, foram quatro pesquisadoras da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), lideradas pela curadora do Setor de Meteoritos do Museu
Nacional da UFRJ, Maria Elizabeth Zucolotto.
"Chegamos no dia seguinte à chuva de meteoritos e já
não tinha lugar para ficar na pousada da cidade. Estamos hospedadas na casa de
uma moradora", conta Zucolotto. O foco é achar as pedras de mais de 4, 6
bilhões de anos, formadas antes de o planeta Terra existir.
Moradores ficam assustados com barulho de pedras que teriam
caído do céu em Santa Filomena
Na pousada estão "caçadores" estrangeiros com
objetivos particulares. Os cientistas brasileiros buscam as pedras para
pesquisa e para museus. Pesquisadores locais também tentam manter na cidade
pelo menos parte do valor científico e turístico da chuva de meteoros.
Apesar de saírem todos os dias às 6 horas da manhã, munidas
com foice e facão para vasculhar os terrenos, as mulheres do Rio ainda não
encontraram nenhuma pedra.
"Tentamos comprar algumas com os moradores, mas eles
não querem negociar porque somos mulheres", conta Zucolotto.
Além de buscar pedras para a pesquisa científica, a curadora
pretende levar algumas para a coleção de meteoritos do Museu Nacional, uma das
maiores do Brasil, mas que sofreu danos após o incêndio de grandes proporções
que destruiu o local, em 2018.
Até o momento, o grupo, que se intitula "as
meteoríticas", conseguiu adquirir uma "pequenininha" de 14
gramas por R$300.
Uma segunda, com 2,8 kg, está sendo negociada com um caçador
de meteorito americano por R$18 mil. Se realizada a compra, o meteorito será levado
para o Museu Nacional.
O meteorito mais cobiçado pesa quase 40 kg. Por causa do seu
valor estimado, de ao menos $120 mil, a pessoa que encontrou-o não se
identificou para a cidade e não foi informado o local onde o objeto caiu.
Segundo as fontes ouvidas pela reportagem, a pedra está sob
a proteção da polícia. O G1 não conseguiu contato com o órgão para confirmar a
informação.
Em volta da igreja
O estudante de administração Edimar da Costa Rodrigues, de
20 anos, estava em casa quando viu o céu se encher de fumaça e o WhatsApp lotar
de mensagens dizendo que tinha chovido pedra.
Ele saiu para a rua e achou no meio da praça em frente à
Igreja Matriz, exatamente no centro da cidade, uma pedrinha de 7 cm e 164
gramas.
Ela estava perto de onde caiu a pedra de 2,8 kg cobiçada
pelas "meteoríticas". O fato de os fragmentos que acreditava-se serem
os maiores caírem em volta da Igreja deixou os moradores ainda mais espantados.
O "milagre" ficou maior quando viram seu valor.
"O preço está chegando a R$40 por grama", explicou
Edimar, que não quis revelar o valor da venda. Ele aponta um viés de alta: dias
atrás, o grama custava metade do preço. Edimar vendeu a sua pedra a outro
"caçador", também americano.
Localizada no sertão nordestino, Santa Filomena tem 14.172
habitantes, segundo o IBGE. Cerca de 3 mil moram no centro, mas a maior parte
está na zona rural, onde predominam plantações de feijão e mandioca.
"A cidade aqui é 90% de agricultores. Tem pouco
comércio, nada que gere muito emprego. É bem humilde, de gente de baixa renda.
A maioria das pessoas está achando muito bom. Eu tenho noção de que talvez
essas pedras valham bem mais, mas as pessoas precisam de uma renda", diz
Edimar.
'Dinheiro caiu do céu'
Se as pedras grandes que caíram perto da igreja causaram
assombro, a de 38,2 kg teve até cerimônia própria. "Na sexta-feira (28),
um representante do dono levou a pedra para o posto de gasolina onde fazemos o
comércio para mostrar ao público", conta Zucolotto.
Na ocasião, segundo o caçador americano que está negociando
com o Museu Nacional (ele não quis se identificar), algumas pessoas fizeram
ofertas para a compra da pedra. O americano foi um deles.
"Sei o que aconteceu no Museu Nacional, do incêndio, e claro
que preferiria que o meteorito ficasse no Brasil, mas se o Museu não tiver
dinheiro para compra-lo, eu comprarei", disse o caçador americano, que já
havia comprado 10 meteoritos até o sábado (29).
Ele não revelou o valor ofertado com medo de atrair "criminosos".
"Só posso falar que é muito dinheiro. O fato é que os
moradores estão querendo um valor muito caro pelas pedras. É uma área muito
pobre, onde o dinheiro caiu do céu. Está sendo muito bom para a cidade",
disse o americano.
Valor científico
"Este meteorito é do tipo condrito. É um dos primeiros
minerais que se formou no Sistema Solar, antes da Terra. É como se fosse um
'resto de construção' do sistema. Ele pode contar para a gente um pouco da
pré-história desta formação", explica o pesquisador do Instituto de
Química da Universidade de São Paulo (USP), Gabriel Gonçalves Silva.
A importância do estudo destas pedras está no passado
remoto, mas também no futuro: elas permitem entender melhor quando e como as
próximas podem aparecer.
"Além disso, estudá-los permite saber informação sobre
a dinâmica dos meteoros: quando eles caem na Terra, as possibilidades de novos
impactos, a dinâmica de queda, o que influencia na queda", acrescenta
Silva.
Uma luz para a cidade
Além de um valor inestimável para a ciência, esse tipo de
pedra, segundo o professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE),
Antônio Carlos Miranda, tem alto valor de mercado.
"Meteorito é uma coisa rara, é uma joia, um diamante da
ciência. Vale dinheiro", explica Miranda.
“Para mim, meteorito é como uma jazida. O proprietário dele
é o dono do terreno. Do ponto de vista ético, não sei do jurídico, eu não faria
isso, dar dinheiro [para quem encontrou o meteorito] e levar embora”, diz o
professor.
Comparando o comércio dos meteoritos com “um português que
dá um espelho para o índio para levar o minério do Brasil”, Miranda e mais um
grupo de pesquisadores tentam movimentar pessoas e governo em Pernambuco para
deixar o meteorito na cidade.
”Nada mais justo do que o governo de Pernambuco e a
prefeitura de Santa Filomena dizer que qualquer pedra que caiu é da cidade.
Fazer uma guarda do material e fazer um projeto para capacitar os professores
da região”, afirma Miranda.
O pesquisador cita como exemplo a cidade pernambucana de
Alagoinha, onde meteorito caiu em 1923. "Fizemos um projeto de lei criando
o dia do meteorito. Criamos um clube de astronomia. A gente leva ciência para
cidade", conta Miranda.
"A gente brinca que o meteorito é a sonda espacial do
homem pobre, porque a gente não precisa ir para o espaço, a pedra cai do
céu", diz Zucolotto.
O comércio de meteoritos
O caçador americano que negocia o meteorito de 40 kg mora em
Arizona, nos Estados Unidos, e ficou sabendo da chuva de meteoritos em
Pernambuco "duas horas após o evento ocorrer", diz, por meio de uma
notícia que circulava nas redes sociais. No mesmo dia, ele comprou passagens de
avião e embarcou para o Brasil.
Além de colecionar meteoritos do mundo todo - ele conta que
sua casa parece um museu e que chegou a viajar de duas em duas semanas para
comprar meteoritos na África - o americano também vende os artefatos.
"Vendo para museus e para outros colecionadores, mas
não é um negócio grande, gosto de colecionar", diz.
A pesquisadora da UFRJ Amanda Tosi, que faz parte da equipe
de Zucolotto e também está na cidade buscando os fragmentos, explica que
caçadores costumam ser chamados de "traficantes de meteoritos" por
aqueles que são contra o comércio das pedras.
"Eu não vejo assim. Aqui tem caçador dos EUA, Porto
Rico, Uruguai e outros estados do Brasil. Estamos trabalhando em cooperação.
Tem o interesse econômico, mas se não estivéssemos aqui e se a população não
estivesse buscando os meteoritos para vender, eles ficariam perdidos no mato",
diz Tosi.
A pesquisadora estima que, até este sábado, entre 100 a 200
fragmentos do meteorito foram encontrados em Santa Filomena.
A regra não é clara
Não há uma legislação específica no Brasil que determine a
posse de um meteorito ou que regulamente o seu comércio.
Em Santa Filomena, os meteoritos que caíram em locais
públicos, como a Praça da Matriz, ficaram com quem achou primeiro. Os que foram
achados perto de casas ficaram com seus proprietários.
Ao contrário de países como Argentina e Austrália, onde há
uma regra e os meteoros são bens públicos, o Brasil não tem uma legislação
sobre a posse e o comércio de meteoritos.
"Na prática, o Brasil acaba seguindo o padrão da lei
americana, que é o seguinte: o meteorito é de posse do dono do local onde ele
caiu", explica o pesquisador da USP Gabriel Gonçalves Silva, que é membro
da Bramon, rede brasileira de observação de meteoros.
Boliviano barrado
Mesmo sem uma regra clara, é possível que, ao tentar saírem
do Brasil com os meteoritos sem avisar às autoridades, estes estrangeiros
tenham problemas.
Em 2010, por exemplo, um boliviano foi detido e autuado por
contrabando no Internacional Tom Jobim, no Rio, quando tentava embarcar para
Bolívia com pedaços do meteorito que caiu na cidade de Varre-Sai, no Noroeste
Fluminense.
O G1 entrou em contato com a Agência Nacional de Mineração,
mas não teve retorno até a publicação da reportagem.
A Convenção de Propriedade Cultural da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), assinada por
mais de cem países, inclusive o Brasil, estabelece que um “bem de interesse
científico” só pode ser levado de um país com autorização do governo local.
Ainda assim, há um comércio internacional aberto de
meteoritos na internet. Em um site americano, há anúncios de diversos
meteoritos por mais de R$ 300 mil, e um deles é oferecido por R$ 1,38 milhão.
"O preço de meteoritos não segue um padrão, é um caso
extremo de oferta e de procura", conta Silva.
A queda em Pernambuco "fez muito barulho entre os
colecionadores e pesquisadores. Tem uma procura muito grande e de repente os
preços aumentaram. Se saturar o mercado, o preço pode despencar", ele
afirma.
"Tem poucas pessoas com dinheiro e capacidade para
comprar uma pedra de 40 kg", diz Silva sobre a pedra maior, de destino
ainda incerto.
Um pesquisador que esteve no local, e não quis se
identificar, diz que tenta conscientizar a população de Santa Filomena para não
vender os fragmentos.
"Os gringos milionários compram esses fragmentos para
levar ou vender no exterior, sendo que poderíamos construir um museu na cidade.
Isso atrairia turistas e seria bom para a pesquisa", diz o pesquisador.
Texto e imagens reproduzidos do site: g1.globo.com/ciencia-e-saude
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